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Filosofia da religião

    F. de l. da obra: Faria, A. A.. Filosofia da religião. Curitiba: Intersaberes, 2017 (abr. loc.: F2017r).
Sumário

apresentação

A importância da filosofia da religião (abr. loc.: FDR) está em transcender o que é doutrinal e confessional, para deter na investigação filosófica do universo espiritual do ser humano, por meio de uma abordagem metafísica, antropológica e ética.

Ninguém pode negar a importância da vivência religiosa de um povo e o seu impacto: a religião está no centro da vida do povo e determina, quase sempre, seu comportamento e o enfoq por meio de que vê o mundo. A FDR busca conexões que apontem para uma razão lógica e comum.

objetivos da obra
Os objetivos da obra são: (a) definir o conceito de FDR e seu objeto; (b) compreender, de um ponto de vista filosófico, as diversas manifestações das religiões; (c) entender o fenômeno religioso em seus contextos histórico, social e cultural; (d) investigar a “possibilidade formal da religião na existência humana” (m.c.: dúvida; talvez seja determinar em que circunstâncias a religião é possível); (e) esclarecer a possibilidade e a essência formal da religião na experiência humana (m.c.: dúvida; é o mesmo que acima?).


introdução à FDR

A filosofia, por princípio, investiga aquilo que está além da compreensão humana.

objeto de estudo da FDR
A FDR investiga as origens e natureza do fenômeno religioso e a influência da religião no comportamento humano e nas sociedades. FDR é expressão criada por Hegel (†1831).

o que a FDR não é
A FDR não deve ser confundida com a teologia, a apologética ou a fenomenologia da religião [1].

conceito e método da FDR
A FDR seria a investigação da crença humana em divindades e o comportamento das pessoas religiosas [2]. O método da FDR é racional, especulativo e argumentativo, nunca confessional. Não tem nenhum compromisso com a fé.

o que é uma pessoa religiosa?
Uma pessoa religiosa é alguém ligado à divindade. A religião seria o caminho por meio do qual uma pessoa está ligada à divindade. Ernst Cassirer: religião como forma simbólica: constrói seu universo simbólico por meio das funções de expressividade e representação; sua origem está, como a do mito, ligada à consciência da finitude humana. Desde o início o mito é religião em potencial.

etimologia da palavra religião
Etimologicamente a palavra religião pode ter duas origens: (a) “relegere”, que indica obrigação, aquele que cumpre cuidadosamente os atos do culto (que “relê” atentamente) (Cícero), pois “religere” é o contrário de “negligere”; (b) “religare”, conforme Agostinho de Hipona e Lactâncio, religar o homem à divindade.

Essa primeira acepção condiz com a característica “legalista” do universo religioso, que é o que distingue a religião da espiritualidade (v. adiante).

fenomenologia da religião: conceito
A fenomenologia da religião estuda o fenômeno religioso, tudo aquilo que é visível ou manifesto no âmbito da religião: todo o conjunto de acontecimentos manifestados nos espaços sagrados, inclusive rituais e gestos.

Por meio do fenômeno religioso se transfere para a esfera da divindade aquilo que está além do entendimento humano.

O fenômeno religioso está sempre em sintonia com a cultura e os costumes de certo povo: o meio no qual o indivíduo está inserido condiciona seu ser religioso.

Daí que o fenômeno religioso deve ser visto de um ponto de vista macro (envolvendo aspectos culturais, sociais, humanos). Compreender o fenômeno religioso é entender como um determinado grupo vivencia o ethos e as implicações de seu agir na relação com a sociedade; a religião concerne à emergência da alteridade.

religião e modernidade: subjetivismo, relativismo e descrença
A religião se modifica diante da modernidade, vista como o cenário de desenvolvimento científico e tecnológico, mais concentração do capital, burocratização formal do Estado e urbanização. A ciência moderna altera a visão de mundo e conduz ao pensamento racional. Resultado: mundo secularizado e hominizado, despido dos vestígios de Deus.

A concepção subjetivista da modernidade se fortalece. O subjetivismo é a “redução de qualquer juízo ao sujeito que julga; o mesmo que dizer que a validez é limitada ao sujeito que julga” (Ferrater). É a tendência a só levar em conta os dados do sujeito envolido.

Do subjetivismo surge o relativismo sistêmico: a desconfiança atinge os sistemas de verdade, de bem e de valores criados pela razão. Há a crise das verdades e dos valores: as grandes teorias explicativas da realidade e da história são trocadas pelas particularidades em todos os níveis: surgem as pequenas verdades, as morais provisórias.

privatização religiosa leva a espiritualidade sem religião
Há uma tensão positiva constante entre o viver religioso e o viver filosófico: ambos pretendem ser mais que um produto da história, aspiram transcender a história e descobrir verdades absolutas independentes das circunstâncias (Ferrater).

A modernidade, enquanto não pode abolir a religiosidade, remete-a ao mundo privado: em vez de uma grande religião, de um universo simbólico único tradicional, surgem inúmeras manifestações independentes, flexíveis: é a privatização religiosa.

Em consequência desse fenômeno passa-se a diferenciar (a) religião de (b) espiritualidade. A primeira se relaciona com os valore seguintes sagrados e supremos da vida, de modo formalmente estruturado e identificado com instituições religiosas e rituais. A espiritualidade, por sua vez, se refere a uma experiência direta, pessoal, do sagrado, mais referida à experiência mística e de transcendência, um fenômeno individual relativo ao sentido da vida.

Contemporaneamente se vê a generalização da ideia de que a espiritualidade seria “boa” e a religião “ruim”, ao mesmo tempo em que cresce o número de pessoas que se dizem espiritualizadas mas sem relação com qualquer instituição religiosa.

Curiosamente, junto com a apatia religiosa crescente, cresce também a oferta e a procura por socorro sobrenatural, como nos tempos mitológicos. Mas o medo que conduz a essa busca não é mais das forças desconhecidas: hoje o homem busca socorro contra medos bem conhecidos.

    a religião na filosofia grega

    passagem do mito ao logos e do caos ao cosmo
    O nascimento da filosofia grega se deu por meio de um processo de depuração da mitologia: uma passagem gradual do mito ao logos e do caos ao cosmos. O fenômeno religioso esteve bem presente, ainda que de forma especulativa, no pensamento dos filosofia antigos.

    Nesse processo o pensamento evoluiu da teogonia para a cosmogonia, e desta para a cosmologia (a, b, c). Em (b) já há a tentativa de explicação da organização do mundo por meio de suas forças geradoras (ao contrário de (a) onde se queria explicar a origem dos deuses), mas a narrativa ainda é ligada aos mitos. Já em (c) o estudo se dá com base na natureza (physis).

    Os primeiros filósofos eram chamados “físicos” porque faziam cosmologia, mas a concepção de natureza dos antigos não era a mesma de hoje. Os que se sustentavam sobre a crença nos mitos é que detinham o poder.

    A filosofia antiga, greco-romana, surge com Tales e termina em 529 d.C. quando Justiniano manda fechar as escolas pagãs.

    pré-socráticos: a busca do princípio
    Os filósofos pré-socráticos buscavam o “arké”, o princípio último, único, causa de tudo o que existe. Esse princípio seria aquilo de que tudo deriva e em que tudo se resolve por fim: uma realidade que permanece idêntica no transmutar das suas alterações, que segue existindo de maneira imutada.

    O “arké” seria, assim, (a) a fonte de tudo, (b) a foz de todas a coisas, (c) o sustentáculo permanente de tudo (a substância), (d) aquilo do qual tudo vem, no qual tudo se conclui e pelo qual tudo existe e subsiste.

    Anaximandro e o ápeiron
    Anaximandro via o “arké” como ápeiron, privado de limites internos ou externos. O ápeiron dá origem a tudo delimitando-se. Tudo surge de delimitação e determinação do ápeiron ilimitado e indeterminado.

    Heráclito: tudo flui
    Para Heráclito o Uno só pode existir na tensão dos contrários: há unidade na diversidade e diferença na unidade. O fogo é a perfeita expressão dessa luta/tensão perene: é vida que vive na morte, contínua transformação, perene necessidade e saciedade.

    Pitágoras e o mundo como harmonia
    A ideia dos seguidores de pitagorismo de que o número seria o “arké” quer dizer que viam o mundo como harmonia; o número, para os pitagóricos, expressava ordem, razão e verdade, e como a harmonia dos números gera a ordem (“kosmos”) a ordem do universo devia ser da mesma natureza.

    O átomo de Demócrito não é o da ciência
    Demócrito via no átomo o “arké”, mas sua ideia de átomo não é a dos cientistas de hoje. O universo de Demócrito era feito de átomos e vazio, e seu átomo era sem qualidades, tem apenas forma geométrica, ordem e posição. É imutável, incorruptível e inexoravelmente dotado de movimento. É um princípio básico infinito e infinitamente combinável, o que leva a mundos infinitos.

    Mas para Demócrito há uma lei física inexorável de geração e combinação (porque os átomos necessariamente se movimentam), que não é governada por qualquer causa inteligente ou final.

    Platão e Aristóteles
    O demiurgo de Platão é uma força ordenadora de tudo, a “alma do mundo” (mas também diz que o demiurgo “criou a alma do mundo”). A organização que o demiurgo promove usa três princípios: a essência, a identidade e a diferença. Mas o demiurgo de Platão não se confunde com uma divindade e não é algo a ser cultuado.

    Para Aristóteles as substâncias móveis, corruptíveis e efêmeras são antecedidas por uma substância imóvel, incorruptível e eterna, o primeiro motor, responsável pelo princípio do movimento. O primeiro motor é necessário, incorruptível e imóvel. Mas não se confunde com um deus: é um deus da metafísica que é ato puro, e ao qual só se chega pela razão.

    religião no período helenístico
    A religião do período helenístico, ou religião pagã, era uma religião do sagrado, o sagrado permeava todos os acontecimentos. A cidade antiga era um espaço sagrado. Não havia a ideia de apartamento entre o homem e o mundo natural, a cidade não se distinguia da natureza.

    Já na segunda antiguidade a relação entre cidade e natureza se afrouxa, a religião familiar e coletiva se torna religião do indivíduo. Dessacraliza-se a vida cotidiana e a própria natureza. Surge o helenismo, a unificação cultural do mediterrâneo. O sentimento de pertencimento à cidade torna-se o sentimento de pertencimento ao império. Nesse contexto surgem estoicismo, epicurismo, ceticismo.

    Estoicismo: filosofia trágica
    Para o Estoicismo emoções ruins resultam de erros de julgamento: sábios não cometem tais erros e estão livres de tais emoções. O universo é físico e governado por um “logos” ou razão divina, da qual faz parte a alma humana, que, aliás, só existe na qualidade de parte desse todo.

    Na ética estoica todo o bem que existe está contido na retidão da vontade: o mal está no vício. O sábio é sempre feliz, e o homem mau sempre infeliz. É uma filosofia com base na condição trágica do ser humano, cujo destino está ligado à dor, ao sofrimento e à morte, situações irremediáveis.

    Cabe ao homem agir com racionalidade e fazer o melhor de si, porque o poder de escolha permite ser feliz apesar dos infortúnios. Basta ter uma ação apropriada, agir conforme a razão.

    Epicurismo: prazer = felicidade
    Para o Epicurismo o prazer é o caminho para a felicidade e do sentido da vida. O fundamento é o cuidado da saúde da alma: como a medicina se ocupa do mal que aflige o corpo, a filosofia cuida da alma.

    Ensinava quatro sabedorias: 1. — os deuses não devem ser temidos, pois são indiferentes aos homens, 2. — a morte não deve ser temida, 3. — o bem é fácil de obter e 4. — o mal é fácil de suportar.

    A moral epicurista: é hedonista, o prazer (sensível) é o fim supremo; o objetivo da vida é suprimir a dor. O critério de toda moralidade é o sentimento. Mas não trata de prazer momentâneo que traz consequências futuras danosas. O prazer deve ser recusado se causa sofrimento futuro. Só o prazer conforme a razão é benigno.

    Necessidade da ciência: já que é preciso avaliar as consequências do prazer antes de aceitá-lo, é necessário o conhecimento da natureza e de si mesmo, para não incidir em erro de julgamento: “não se pode gozar dos prazeres puros sem a ciência da natureza”, dizia Epicuro.

    Ceticismo: o sábio é impassível
    Para o Ceticismo a razão humana não tem a capacidade de conhecer a verdade em si; só podemos conhecer as ideias que temos das coisas. Pirro ensinava: não devemos nos fiar nos sentidos, e sim permanecer sem opinião, impassíveis. A impassibilidade leva à afasia, e esta à Ataraxia [3] [4]


    patrística e escolástica

    Idade Média: a filosofia escravizada pela teologia
    Na Idade Média ocorreu uma confusão entre filosofia da religião e a própria filosofia medieval: a filosofia se restringiu aos monastérios e só sobreviveu como uma parte da teologia.

    Patrística: é a doutrina dos autores cristãos da antiguidade (tanto ortodoxos quanto heterodoxos); no ocidente termina com Gregório Magno (†604)e no oriente com João Damasceno (†749).

    Escolástica: doutrina da Idade Média stricto sensu (séc. IX a séc. XVI); sua preocupação foi a firmar o nexo entre razão e fé.

    Agostinho de Hipona: homem social
    Agostinho de Hipona contrapôs ao dualismo bem-mal dos maniqueístas a doutrina de Plotino, de que o mal é a ausência de bem. Via o homem num contexto social, sempre vinculado à sociedade em que vive. Para ele a convivência em sociedade faz do homem mais humano. Nas imagens da cidade celeste e da cidade dos homens aludia a dois caminhos: viver segundo o espírito ou segundo a carne. Para Agostinho de Hipona fé e razão estão em sintonia e se complementam.

    Duns Scotus: fé e razão não combinam
    Duns Scotus (também chamado Scoto, Scotto, Scot) (†1308): mudou o foco da temática tomista. Tomás de Aquino defendia a complementaridade entre fé e razão, e Duns dizia que uma e outra têm metodologias diferentes:

    “a fé nada tem que ver com a razão. A fé pertence ao domínio prático. A fé não é um hábito especulativo”

    — Scottus


    Duns expandiu a metafísica de Aristóteles para incluir no conceito de Ser o Deus cristão infinito: tudo que pertencia às categorias de Aristóteles é finito, mas o Ser contém o infinito.

    Não se pode chegar à comprovação de muitos atributos divinos por meio da razão, porque Deus supera o âmbito da razão e seus atributos estão na esfera da fé, devem ser cridos e não compreendidos.

    Guilherme de Occam: livre expressão
    Guilherme de Occam (†1347) (também chamado Okham ou Ockam): seu pensamento tem duas notas características: 1. — foi o primeiro a reivindicar o direito de livre expressão; e 2. — levou à radicalidade a separação entre fé e razão.

    As verdades da fé não podem ser provadas, já que parecem falsas para todos, ou para os sábios. Assim, filosofia e teologia devem ser independentes, a filosofia não deve mais ser serva da teologia, que não é ciência, mas conjunto de proposições vinculadas não pela razão mas pela força de coesão da fé.

    Primazia do pensamento do individual sobre o universal: rejeita a ideia de uma natureza comum entre os indivíduos a que damos um nome em comum: não há universais fora da mente: tudo que há no mundo é singular. O universal é um termo meramente lógico.

    Pensamento com consequências políticas: se o individual prevalece sobre o coletivo, a autoridade política e espiritual devem ser repensadas. O poder o Papa deve ser limitado: a verdade não é sancionada pelo Papa, mas pela comunidade livre dos fiéis. A igreja e o Estado devem estar separados. A infalibilidade é da igreja (conjunto dos fiéis) e não do Papa.

    João de Paris
    João de Paris foi o primeiro a afirmar o direito dos indivíduos à propriedade.

    Marsílio de Pádua
    Marsílio de Pádua afirma que o Estado é uma construção humana, que responde a finalidades humanas e não tem fonte ou força de origem teológica. Nas questões humanas e terrenas a igreja é que deve se submeter ao Estado.

    Mestre Eckhart
    Mestre Eckhart forjou o idioma alemão como linguagem filosófica. Ligado ao misticismo especulativo: insiste que Deus está além de toda possibilidade conceitual, e o homem, afastado de Deus, não é nada. Buscou uma justificação para a fé, que já se via então sem o suporte da razão. Quis mostrar a unidade entre criador e criatura. Deus ama necessariamente.

    Pensadores da Reforma: Wyclif e Huss
    João Wyclif defendeu um determinismo teológico: Deus é causa de tudo, inclusive causa determinante dos atos humanos voluntários. Rejeitou todos os ritos, em favor da interioridade do ato de fé. Dizia que a verdadeira igreja é a comunidade dos justos, única soberana nos bens temporais coletivos. Opôs-se à igreja hierárquica.

    João Huss defendia a ideia da igreja invisível dos eleitos e a paridade entre o clero e os fiéis leigos.


    do humanismo às filosofias críticas

    filosofia, religião e razão
    O racionalismo tem como base a supremacia da razão: tudo que existe pode ser explicado por um juízo lógico. Daí que (porque a razão é individual) o homem moderno questiona o acesso imediato à realidade a passa a falar da realidade através da mediação da subjetividade. Desprezam-se os sentidos, sentimentos e a revelação.

    Consequências políticas: se o que não for sustentado pela razão não é crível, os critérios de autoridade de qualquer tipo — inclusive fé, tradição — são duvidosos.

    Consequências religiosas: a regularidade dos fenômenos naturais dispensa a hipótese da causa primeira. Logo, nega-se o transcendente e chega-se ao agnosticismo: atitude que diz sem impossível afirmar ou negar a existência de Deus.

    Deus visto pela subjetividade: o humanismo exalta o homem, põe o homem e não o cosmo no centro da atenção. Mas não consegue pensar a subjetividade em seu relação com o mundo sem referência, positiva ou negativa, a Deus. A questão de Deus passa a ser tematizada não mais a partir do mas pela mediação do homem, isto é, a partir da subjetividade.

    fundamentos do humanismo
    São quatro os fundamentos do humanismo:

    1. — O homem deve ser compreendido em sua totalidade, isto é, dotado de corpo e alma e inserido no mundo com a missão de dominá-lo. Isso se opõe à ideia escolástica que via o homem fora da realidade, abstrato.

    2. — O homem é um ser histórico: tem um passado inegável, está unido ao legado que recebeu.

    3. — As letras clássicas têm valor humano. Humanitas: a educação do homem. As disciplinas de boas artes (humanísticas) são as que formam o homem, porque são próprias do homem.

    4. — O homem é um ser natural e por isso o conhecimento da natureza é indispensável para seu sucesso.

    proposta política do iluminismo
    O humanismo propunha (1) uma sociedade igualitária, (2) a felicidade do homem como principal objetivo, (3) fim do absolutismo, dos monopólios, da desigualdade social, do domínio da religião, (4) liberdade de expressão, (5) democracia como forma de governo, (6) liberdade econômica, (7) supremacia da razão sobre a fé. A fé torna-se objeto de suspeita como ideologia da ordem ultrapassada e reacionária, que atrasa o desenvolvimento de sociedade.

    Descartes e o discurso do método

    Descartes, pai da filosofia moderna
    Descartes (†1650) erigiu seu método a partir de duas premissas: 1. — dos três princípios que fundam o saber tradicional (experiência sensível, razão e saber matemático) só os dois últimos são aceitáveis; 2. — não se pode aceitar como verdadeira uma afirmação que possa ser posta em dúvida.

    Propôs um método que substituia o universal e a abstração, pilares da filosofia aristotélico-escolástica, pelaz naturezas simples e pela intuição.

    regras básicas do método cartesiano
    São quatro as regras básicas (ou etapas sucessivas) do método cartesiano:

    1.evidência racional: primado do ato intuitivo, aquele por meio do qual se chega à evidência de um fato: só é verdadeiro o que se percebe intuitivamente, sem margem para dúvida.

    2.análise: toda questão tem de ser dividida em quantas partes quanto for possível: dividir o complexo em partes simples.

    3.síntese: examinam-se os pontos partindo do mais simples em direção ao composto (ao mais complexo), sem “saltos”.

    4.controle: os passos realizados passarão por revisões completas, gerais e cuidadosas.

    classificação das ideias para Descartes
    Descartes põe o sujeito humano como centro do novo saber: o eu é um espaço de inúmeras ideias. Estas se dividem em (a) inatas, (b) adventícias (vêm de fora e são coisas diferentes do eu) e (c) factícias (construídas pela própria pessoa).

    Descartes e Deus
    Descartes afirma que a ideia de Deus é inata, não vem das coisas sensíveis. A certeza do mundo advém e depende da certeza de Deus. A ideia de Deus é a ideia de uma substância infinita, eterna, imutável, independente e onisciente, da qual derivam o eu e todas as demais coisas existentes.

    David Hume

    Hume: empirismo, ceticismo, fenomenismo
    Hume (†1776) tratou do conhecimento, da moral e da religião. Seu pensamento se caracteriza pelo fenomenismo: reduz (a) os princípios racionais a ligações de ideias fortificadas pelo hábito e (b) o eu a uma coleção de estados de consciência.

    ceticismo: condição da coexistência
    O ceticismo de Hume é puramente teórico, não se aplica à vida prática; ele defendia o Ceticismo como condição da tolerância e da coexistência pacífica entre os homens. Propunha que:
      (a) não é possível nenhuma teoria geral da realidade;

      (b) o homem não pode criar ideias porque está totalmente submetido aos sentidos;

      (c) a ciência só é capaz de obter certezas morais: suas verdades são da ordem das probabilidades;

      (d) não há causalidade objetiva;
    Hume e a religião
    O ceticismo de Hume ataca a religião, propõe o Agnosticismo e contradiz a ideia de religião natural; diz que: (a) não existe uma religião natural comum a todos os povos, (b) existe uma história natural das religiões, (c) a origem do sentimento religioso está no medo da morte e no horro ao castigo, bem como na ânsia de felicidade eterna; (d) o politeísmo é a forma primeira e genuína desse sentimento; (e) os homens inventam herois e santos para fazê-los propícios e favoráveis ao culto; (f) o monoteísmo é fruto da prevalência de um deus sobre outro; (g) a religião não é mais que uma luta de superstições, fanatismos e hipocrisias.

    Kant

    as quatro questões de Kant
    Kant (†1804) resume a filosofia a quatro questões fundamentais: 1. — o que podemos saber? 2. — o que devemos fazer? 3. — o que podemos esperar? 4. o que é o homem?

    Define a filosofia num duplo prisma: de um lado, (a) a ciência da relação entre todo conhecimento e a razão; de outro, (b) o fim último da razão humana, que subordina todos os outros fins e os unifica.

    Kant e a religião
    Kant aplica sua proposta crítica ao universo da religião, isto é, o que trata da divindade, da alma, da imortalidade e da eternidade. Rejeita toda pretensão de conhecer como é Deus: não é válida a tentativa de provar que Deus existe, porque a razão não tem uma forma sensível que lhe permita dar o salto até Deus. A ele só se chega pela fé, não pelo conhecimento.

    Impossível, segundo Kant, uma religião que surja por revelação divina: religião é só o reconhecimento de nossos deveres como mandatos divinos: é puro reconhecimento da razão prática. Kant, assim, lança as bases racionais do Deísmo.

    ideia de Deus como fundamento da moralidade
    Para Kant o conceito de Deus atua como princípio regulador, a mostrar um objetivo capaz de orientar a vida, de modo que ideias como Deus, liberdade e imortalidade são importantes por legitimarem a moral.

    Existencialismo

    histórico e conceito do existencialismo
    O existencialismo surgiu no séc. XIX com Kierkegaard (†1855) como uma reação ao idealismo.

    Propõe o primado da existência: o centro da atenção não é o homem como um ser pensante, mas suas atitudes, ações e sentimentos, suas relações com o mundo, as coisas e os demais homens.

    Sua principal marca é o subjetivismo e sua primeira atitude é negar a redução do homem a sua personalidade ou a uma entidade qualquer: não pode ser reduzido a animal racional ou social, ou a um ente psíquico ou biológico.

    Despreza os conceitos universais e propõe um regresso ao concreto e ao singular/individual.

    Subdivisões: hoje divide-se em existencialismo ateu, teológico, cristão, marxista.

    teses de Kierkegaard
    Para Kierkegaard a vida é difícil e um grande problema a ser solucionado. A causa disso são o mal e o pecado. O homem é um ser relacional e o aspecto nadificante do possível torna problemáticas e negativas as relações do homem com o mundo, com Deus e consigo mesmo.

    A maioria não se preocupa com nada disso e nem sabe disso, mas quem sabe convive com a angústia e o temor. A própria relação com Deus não tem garantias absolutas e é dominada pelo paradoxo: não oferece certeza ou repouso.

    Sartre: existencialismo ateu
    Para Sartre a existência precede a essência do homem: somos abandonados no mundo sem apoio nem referência a valores; temos de criar nossos próprios valores usando nossa liberdade, que é a essência do homem.

    “o homem é uma paixão, mas uma paixão inútil. Em que a liberdade do homem não serve para nada, já que se esgota na busca de uma síntese impossível que deveria torná-lo Deus. A existência é obscena, de uma superabundância viscosa, na qual a liberdade se interliga. O homem nada mais é que um projeto; somente existe quando se realiza, é tudo um conjunto de seus atos, nada mais que a sua própria vida”

    — Santidrián



    sem Deus, tudo é permitido
    Sartre parte da frase de Dostoiévski: “Se não existe Deus, tudo é permitido”; não havendo uma razão sobrenatural para a existência humana, o fundamento universal desaparece e surgem a subjetividade moral, o sentimento de angústia e fragilidade e a responsabilidade de orientar a própria vida.

    Marx

    trabalho: única forma de liberdade
    Para Marx (†1883) a per­so­na­li­da­de do ho­mem se con­cre­ti­za nas re­la­ções de trabalho em que se acha. O trabalho é a úni­ca forma de li­ber­da­de e rea­li­za­ção, e tudo que impede essa rea­li­za­ção é a­lie­na­ção. Os meios de produção, por força da propriedade privada e do ca­pi­ta­lis­mo, foram trans­for­ma­dos em ins­tru­men­tos de sub­mis­são.

    religião: ópio do povo
    Marx fala da alienação religiosa: a religião é imagem de um mundo transtornado, onde se colocou um homem abstrato no lugar do homem real com seus problemas reais. Esse homem abstrato recebe da religião um alimento ilusório, uma felicidade ilusória, o ópio do povo.

    Com seus dogmas, a religião é a teoria desse mundo transtornado, e fonte de alienação porque subtrai o homem da vida real e incha-o com uma vida irreal, inexistente, prometendo-lhe uma felicidade enganosa noutro mundo. E, assim, sanciona a exploração do homem pelo homem.

    Feuerbach

    Feuerbach: o homem criou Deus
    Feuerbach (†1872) é precursor do hu­ma­nis­mo na­tu­ra­lis­ta, e pro­põe duas ideias:
      (a) o ser, en­quan­to ser, é fi­ni­to, está sem­pre nos li­mi­tes do es­pa­ço e tem­po con­cre­tos; on­de não há li­mi­tes, tem­po e ne­ces­si­da­de, tam­bém não po­de ha­ver qua­li­da­des, e­ner­gia, spiritus ou a­mor;

      (b) Deus é a negação do ho­mem, e ne­gar De­us é o fun­da­men­to da a­fir­ma­ção do ho­mem; não foi Deus quem cri­ou o ho­mem, mas o ho­mem quem criou Deus, à ba­se de abs­tra­ções, em o­po­si­ção aos sen­ti­dos.

    Nietzsche

    Nietzsche e a morte de Deus
    A filosofia de Nietzsche (†1900) integra o existencialismo, critica a religião (especialmente a cristã). Diz que o sentimento religioso e a religião aniquilam a liberdade do homem, que é exatamente o que nele há de mais sagrado.

    Deus nasceu do medo
    Para Nietzsche o conceito de Deus tem sua origem na categoria do medo: o medo primitivo dos antepassados e seu poder levou gradualmente à transfiguração desses antepassados em deuses.

    morte de Deus, condição para libertação
    A autonomia do homem depende da morte do Deus castrador da liberdade. O critério da verdade está no aumento da força e do poder.
    “Aconselho-vos, meus irmãos, a manter-vos fiéis à terra e não acreditar naqueles que vos falam em esperanças para além da terra. Esses homens são envenenadores, quer o saibam, quer não”

    — Nietzsche


    o sagrado e o profano

    conceito de sagrado
    O sagrado, ou santo, é um poder de natureza espiritual que o homem vê em certos lugares, objetos ou pessoas, pelo qual se sente na presença de uma realidade sobrenatural. É o “mistério tremendo fascinante”, que causa ao mesmo tempo espanto e atração.

    Religiosa ou piedosa é a pessoa para quem algo é sagrado. O sagrado é a dimensão central de todas as religiões.

    aspectos da sacralidade
    Há três aspectos da dimensão da sacralidade:
      (1) o sagrado numinoso ou misterioso, que nos remete à majestade do divino, o que não pode ser definido mas experimentado (vivenciado) apenas como fenômeno religioso;

      (2) o sagrado como um valor em si mesmo, próprio da religião;

      (3) o sagrado como categoria a priori.



    Notas

    [1] Teologia: estudo da divindade e a doutrina de certa religião; apologética: defesa de um certo sistema de crenças; fenomenologia da religião: “estuda os fatos religiosos e sua significação para o homem religioso” (m.c.: entendi nada sobre o último).

    [2] Isso é a mesma coisa que a fenomenologia da religião conceituada acima!

    [3] Ausência de perturbações, tranquilidade da alma, ideal do sábio para o Epicurismo. Para o Estoicismo equivale a apatia, estado da alma que se tornou alheia às desordens da paixão e insensível à dor. f.: Durozoi, Gérard & Roussel, André (1996). Dicionário de Filosofia. Trad. Marina Appenzeller. Campinas: Ed. Papirus.


    [4] Neste capítulo o autor recomenda este documentário, sobre a vida e ideias de Sócrates. Youtube, dublado, completo.