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moralidade e solidariedade

    F. de l. da obra: Nagel, Thomas. Wiggins sobre a solidariedade humana. Tradução de Desidério Murcho. Trata-se de uma resenha da obra Ethics: Twelve Lectures on the Philosophy of Morality, de David Wiggins, publicada originalmente em Secular Philosophy and The Religious Temperament: Essays 2002-2008 (Oxford: Oxford University Press, 2010). Disponível aqui, acesso em 24/08/2017. Temas: Ética, Utilitarismo.


objetivo da obra
Wiggins propõe: (a) descrever a moralidade como um fenômeno humano; (b) evitar a irrealidade da maior parte da teoria ética contemporânea, que tenta explicar a moralidade
    (1) sem incluir todas as dificuldades morais, que são mutuamente irredutíveis e indispensáveis

    (2) privilegiando um só dos fatores a ponderar (a saber, (a) traços de carácter, (b) virtudes, (c) práticas ou (d) atos, ou ainda (e) estados de coisas

    (3) caindo na polaridade entre o consequencialismo ou as virtudes.
Para tanto, é preciso desistir de (a) procurar a compreensão na simplicidade e na generalidade, ou (b) unificar a moralidade sob um único princípio ou valor que tudo governa.

contra o consequencialismo
Opõe-se às teorias consequencialistas, que sustentam que as únicas coisas que contam são os resultados melhores ou piores.

contra o utilitarismo
Opõe-se também ao utilitarismo, uma forma de consequencialismo que afirma que os únicos resultados que contam são os prazeres e as dores, ou a felicidade e a infelicidade.

um perfil em vez de um sistema
Determinado a aplicar a ideia de verdade objetiva ao pensamento moral, Wiggins sugere, em vez de um sistema abrangente, adota um perfil moral e político, levando em conta várias preocupações e disposições distintas, que são parte da solidariedade:
    (a) a ideia de que certos atos são estritamente proibidos,

    (b) a prioridade das necessidades fundamentais;

    (c) a ideia do que é humanamente suscetível de ser vivido;

    (d) o sentimento muito geral de benevolência;

    (e) os valores da honestidade e equidade.
as perguntas essenciais
Wiggins faz ao principais filósofos morais três perguntas essenciais: (a) Qual é a substância ou conteúdo da moralidade? (b) Quais são as razões para participar e perseverar na moralidade? (c) Qual é o estatuto lógico dos juízos morais, com respeito à verdade, objetividade, relatividade e afins? Depois responde ele mesmo, com uma versão pessoal do naturalismo de Hume, uma concepção da razão prática mas fundada na ética e não na metafísica.

modéstia: característica da moralidade
Característica importante da moralidade é a sua modéstia: suas asserções têm de ser humanamente sustentáveis, e facilmente conversíveis numa segunda natureza (“motivação moderada da benevolênciaâ€). Rejeita por isso a exigência platônica de “moralidade heroicaâ€, capaz de suportar torturas, porque a maior parte da moralidade não é heróica, o mais comum é ser honesto “simplesmente em nome da honestidadeâ€.

justiça distributiva: necessidade, não igualdade
O principal valor na determinação da justiça distributiva não é a igualdade mas a necessidade, que tem maior importância moral e política, e tem estatuto não-relativo, e por isso faz parte da solidariedade humana.

situações extremas são falsos testes
Algumas situações são tão extremas que deixam a moralidade para trás: há uma diferença entre o que é correto e o que é preciso fazer numa situação extrema. Questões de necessidade severa estão fora do âmbito da deontologia. A prática comum de usar casos extremos para testar as teorias morais gerais não tem justificação: tais casos podem não fornecem “dados moraisâ€, no sentido habitual.

verdade objetiva e cognitivismo
A moralidade não forma um sistema único e abrangente, mas ainda assim (a) é um domínio de verdade e falsidade e (b) há fatos morais. A moralidade não é apenas um conjunto de proposições, mas por vezes os juízos morais podem ser expressos como proposições, e podem ser verdadeiros ou falsos.

verdade = inviabilidade de objeção razoável
Essa posição cognitivista se apoia na ideia de “nada mais haver para pensarâ€. Não se consegue estabelecer verdades morais a partir do exterior da moralidade, tal como não se consegue estabelecer verdades matemáticas a partir do exterior da matemática. Mas o sinal de que em cada caso estamos lidando com juízos que são objectivamente verdadeiros ou falsos é que, explicitadas completamente as razões, nada mais há a pensar, ou seja, não resta “espaço para duvidarâ€. Não se pode exigir mais do que isto numa defesa da verdade e da objectividade de um domínio de discurso.

objetivo não é oposto a subjetivo
A fonte dos seus juízos da moral é, num sentido, subjetiva, pois está nas disposições e respostas da moralidade humana, e não numa estrutura independente do universo. Isso, todavia, não prejudica a objetividade da moralidade. “Objetivo†não é o oposto de “subjetivoâ€. Os juízos morais podem ser verdade objetivas e subjetivas simultaneamente.

o consequencialismo arrasa a moralidade
Wiggins critica a ética pública sobrerracionalizada (vale tudo em nome do desenvolvimento econômico) sustentada no consequencialismo, que significa que toda a escolha, e a justificação de todos os princípios morais, tem de depender do modo como atribuímos valor aos resultados. Significa que tudo pode ser posto na balança com tudo o mais. Mas grande parte da moralidade não se baseia na maximização do valor neste sentido. A ideia do que é errado é a ideia do que é em si contrário à vida humana e aos seus propósitos. Se for substituído por um valor quantificável, não haverá nada que não se possa exigir ou fazer em nome de evitar algo pior.

solidariedade é a base da ética
A base do ético é a solidariedade, que surge na aversão primitiva a atos de agressão direta de um ser a outro. A partir daí virtudes mais positivas (cooperação, convenções da propriedade e do contrato) surgem, mas a condição básica da solidariedade tem a prioridade.

O pensamento moral tem de levar as disposições morais a sério em si mesmas, em vez de tentar transcendê-las imitando uma forma científica de racionalidade (consequencialista). A produção de resultados melhores não pode anular as razões que vêm das disposições morais mais básicas.

É contra um enfoque institucional da justiça; defende uma concepção de que a justiça de uma sociedade é inseparável da justiça dos seus membros. ❧