Spinoza, mais atual que nunca
- F. de l. do artigo: Nadler, Steven. Why Spinoza still matters. In: Aeon. DisponÃvel aqui. Acesso em 24/08/2017. Temas: Religião, Spinoza, PolÃtica, Ética
Em tempos de extremismo religioso, a feroz defesa da liberdade intelectual, que Spinoza empreendeu, é mais atual que nunca. Excomungado por razões ignoradas aos 23, antes de publicar qualquer escrito, ele foi modelo de coragem intelectual, defendendo democracia, liberdade, Estado secularizado e tolerância.
“A liberdade de pensamento não só pode ser permitida sem perigo para a piedade e estabilidade da república, como não pode ser negada sem destruir a paz da república e a própria piedadeâ€
Deus é uma super-pessoa?
A ideia de Deus em Spinoza se opõe à das religiões abrâmicas: não tem as caracterÃsticas morais e psicológicas de uma deidade providencial e transcendente, não é uma espécie de pessoa, com desejos ou emoções. O Deus de Spinoza é a natureza, e isso é tudo que ele é. Não há nada fora ou além da natureza (ou fora das suas leis, como, por exemplo, milagres ou qualquer âmbito ou fenômeno sobrenatural).
a natureza é axiologicamente neutra
Também não há valores na natureza, nada é intrinsecamente bom ou mau. E nada na natureza existe para algum propósito. A origem de todo preconceito, diz Spinoza, é exatamente a falsa ideia de que a natureza, como o homem, age visando algum fim. Spinoza não é panteÃsta, como querem alguns, e sim ateÃsta. Ele não diviniza a natureza. Ela não é objeto de reverência ou culto. O homem sábio busca entendê-la por meio da razão.
Pessoas que se deixam guiar pela paixão são mais facilmente manipuladas. A ideia de que Deus premiará ou punirá o homem noutra vida é a mais perniciosa, porque leva as pessoas a se deixarem governar pelas emoções de medo e esperança: uma vida de escravidão. “Um homem livre pensa menos na morte que em qualquer outra coisa, e sua sabedoria é uma meditação sobre a vida, não sobre a morteâ€.
a verdade da bÃblia
Negando à bÃblia origem e status transcendental, tratando-a como uma obra mundana e sujeita a manipulações e erros, Spinoza apontava todavia que a obra dos profetas (pessoas sem instrução mas moralmente superiores) contém uma verdade a ser conhecida, uma mensagem clara e universal, sobre a qual não há contradições entre o velho e o novo testamento: a necessidade de prática da justiça e solidariedade com os outros humanos. “Alguma coisa é sagrada e divina quando seu propósito é fomentar a piedade e religião, e é sagrada apenas enquanto os homens a usam dessa forma religiosaâ€
A palavra de Deus, para Spinoza, não está confinada num certo número de livros, mas em qualquer obra que estimule a justiça, a caridade, a piedade e o amor.
Para Spinoza a verdadeira piedade ou religião não requer crença em eventos históricos, incidentes sobrenaturais ou ritos devocionais. Consiste só na prática da caridade e justiça para com os demais. Não é, pois, nada mais que comportamento, um modo de vida.
“A principal distinção que faço entre religião e superstição é que a última é fundada na ignorância, e a primeira em sabedoriaâ€
ideias polÃticas
A ideia polÃtica de Spinoza é de que garantir a liberdade de pensamento, crença e expressão é condição da estabilidade do governo, pois a imposição de leis que restrinjam tais direitos leva à revolta e à sedição, enfrequecendo o poder do soberano: não há criminalização de ideias num Estado bem ordenado. “O Estado não pode buscar curso mais seguro que o de considerar piedade e religião como consistentes somente no exercÃcio da caridade e justiça nas relações, e o poder do soberano, tanto na esfera religiosa quanto na secular, deve ser limitado à s ações dos homens, sendo todos autorizados a pensar o que quiserem e a dizerem o que pensamâ€
epÃlogo: herege, ainda
Em 2013 as autoridades judaicas de Amsterdam, depois de consultarem uma junta acadêmica acerca das ideias de Spinoza, negaram um pedido para revogar sua excomunhão, afirmando que, para a comunidade judaica, ele continua sendo um herege. Justificaram que a liberdade de expressão é desejável na esfera cÃvica, mas não se aplica ao mundo da religião judaica.