Topázio
A cena da espiã assassinada caindo, vista em plongée, com a cauda do vestido se esparramando pelo ladrilho como se fosse uma poça de sangue, é um exemplar antológico da magia visual de Hitchcock.
É uma daquelas “assinaturas†que autenticam o estilo Hitchcock, como outras tantas cenas mÃticas (o assassinato no banheiro em Psicose, o ataque dos pássaros, Cary Grant fugindo de um avião, a vertigem em Vertigo, a câmera que recua para não ver o crime em Frenesi) e detalhes que se incorporaram ao imaginário coletivo (a trilha da dita cena do banheiro em Psicose já foi citada milhares de vezes, até em desenhos animados, e é sinônimo de suspense até para quem não sabe quem foi Hitchcock).
A trama superficial pode ser mal arranjada, com pontas soltas, pitadas de nonsense. O estilo, o espetáculo visual, é infalÃvel. Cinema de Hitchcock é antes de mais nada deleite para os olhos.
2. As cenas em que se vê os personagens conversando, mas não ouve o diálogo, parecem ser invenção de Hitchcock. São um expediente gerador de forte suspense, provocam a curiosidade do espectador.
A mesma técnica aparece numa cena de aeroporto em Intriga Internacional.
3. Hitchcock parece ter orgulho extremo da sua capacidade de esconder um filme dentro de outro filme aparente. Parece que seus filmes têm sempre um duplo sentido, nunca são o que parecem. Por trás da camada exterior, superficial, do mistério mais evidente do filme, existe uma segunda camada contendo um segundo mistério, escondido, para ser decifrado pelo espectador mais atento.
Em Intriga Internacional, o filme secreto é sobre o casamento, um dos temas recorrentes nos filmes de Hitchcock.
Em Janela Indiscreta, além do tema do casamento, há o tema do corpo, além da esplêndida metalinguagem: é um filme sobre cinema.
Em Topázio há um filme sobre traição. As traições se acumulam. No fim, todos os protagonistas são traidores.
4. Daà porque o final rejeitado, original e preferido de Hitchcock, que culminava num duelo, era o mais adequado à trama: porque termina numa traição, termina com o traidor sendo traÃdo. Era uma cena grandiosa, repleta de humor negro, com os adversários vestidos de negro, porque nenhum dos dois é inocente, disputando a vida como se não fosse importante, num estádio de futebol que lembra que tudo não passa de espetáculo. A inverossimilhança e esquisitice daquele duelo é uma forma irônica de apontar o absurdo e o patético que era a Guerra Fria ali emulada.
Ainda bem que não acabou eleito o final com o suicÃdio do vilão: seria grotesco que, num filme onde não há protagonista honesto, alguém terminasse com uma crise de consciência.
O final alternativo, da versão oficial, é banal. Mas pelo menos mantém a coerência: os “mocinhos†são traÃdos pelas engrenagens da justiça humana, quando o “vilão†escapa impune.
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