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Huxley, As portas da percepção


vb. criado em 23/02/2014, 20h20m.
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as portas da percepção

'vivemos, agimos e reagimos uns com os outros; mas sempre, e sob quaisquer circunstâncias, existimos a sós. (...) Por sua própria natureza cada espírito, em sua prisão corpórea, está condenado a sofrer e gozar em solidão. Sensações, sentimentos, concepções, fantasias - tudo isso são coisas privadas e, a não ser por meio de símbolos, e indiretamente, não pode ser transmitidas. Podemos acumular informações sobre experiências, mas nunca as próprias experiências. Da família à nação cada grupo humano é uma sociedade de universos singulares'.

'nem agradável, nem desagradável (...) apenas existe'.

sat chit ananda - existência, consciência, beatitude

a experiência foi de duração indefinida, um perpétuo presente, criado por um apocalipse em contínua transformação.

teoria de Henri Bergson sobre [Memória] e percepção. A função do cérebro e sistema nervoso é principalmente eliminativa e não produtiva. A função de ambos é proterger-nos, impedindo que “sejamos esmagados e confundidos por essa massa de conhecimentos ... deixando passar apenas aquelas poucas sensações selecionadas que, provavelmente, terão utilidade na prática” [2].

“Cada um de nós possui, em potencial, a Onisciência. Mas, visto que somos animais, o que mais nos preocupa é viver a todo o custo. Para tornar possível a sobrevivência biológica, a torrente da Onisciência tem que passar pelo estrangulamento da válvula redutora que são nosso cérebro e sistema nervoso. O que consegue coar-se através desse crivo é um minguado fio de conhecimento que nos auxilia a conservar a vida na superfície deste singular planeta. Para formular e exprimir o conteúdo dessa sabedoria limitada, o homem inventou, e aperfeiçoa incessantemente, esses sistemas de símbolos com suas filosofias implícitas a que chamamos idiomas. Cada um de nós é, a um só tempo, beneficiário e vítima da tradição linguística dentro da qual nasceu - beneficiário porque a língua nos permite o acesso aos conhecimentos acumulados oriundos da experiência de outras pessoas; vítimas, porque isso nos leva a crer que esse saber limitado é a única sabedoria que está ao nosso alcance. E isso subverte o nosso senso da realidade, fazendo com que encaremos essa noção como a expressão da verdade, e nossas palavras como fatos reais”.

efeitos da mescalina: 1- não afeta memória e raciocínio, 2- impressões visuais grandemente intensificadas, 3 - interesse por espaço e tempo reduzido, 4 - a vontade desaparece, as causas que normalmente levariam a agir tornam-se irrelevantes, porque o indivíduo tem coisa melhor para fazer, 5- despersonalização, enfraquecimento do ego e percepção de que tudo está em tudo, 6 - a percepção de cores se amplia e as cores ganham mais importância que as massas, dimensões e posições.

Na p. 15 há um trecho interessantíssimo sobre as roupas na pintura. São os nove décimos não simbólicos de qualquer obra de arte que dão o tom da obra, expressam a disposição de espírito, o temperamento, a atitude do artista diante da vida. Roupas são artifício para introdução de formas desprovidas de simbolismo na pintura.

'Feliz ou infelizmente (dependendo do significado que se der à palavra) todos nós exageramos ao viver o papel de nosso personagem favorito'.

contemplativos passivos e ativos, o eremita e o santo. A estrada de Marta e a de Maria.

'temor de me ver esmagado, desintegrado sob uma pressão de realidade muito superior à que uma mente acostumada a viver a maior parte do tempo em um confortável mundo de símbolos, talvez pudesse suportar'. Quem começa (a viagem da mescalina) com medo e ódio, como principais premissas, terá de ir até o fim (isto é, a loucura).

O livro tibetano dos mortos ensina um ritual a dois onde um guia o outro, porque o segredo é permanecer (na luz) sem se distrair (pela lembrança dos prazeres, pecados, temores, ódios, ansiedades).

rosas: / as flores, fáceis de pintar; / as folhas, não.

'Parece extremamente improvável que a humanidade, de um modo geral, seja capaz de passar sem paraísos artificiais. A maioria dos homens e mulheres leva uma vida tão sofredora em seus pontos baixos, e tão monótona em suas eminências, tão pobre e limitada, que os desejos de fuga, os anseios por superar-se, ainda por uns breves momentos, estão e têm estado sempre entre os principais apetites da alma. A arte e a religião, os carnavais e as saturnais, a dança e a apreciação da oratória, tudo isso tem servido, na frase de H. G. Wells, de portas na muralha'.

'Jamais a inabalável convicção na existência do Inferno conseguiu evitar que os cristão fizessem aquilo que lhes sugeria a ambição, a luxúria ou a cobiça'.

A luz da realidade é tão intensa que é vista como as chamas do purgatório pelas almas “pecadoras” (incapaz de suportar a realidade por lhe faltar pureza). A alma despregada foge da luz serena e vai se refugir na escuridão da personalidade, reencarnando, ou indo ter ao inferno

O tormento do esquizofrênico consiste na incapacidade de se proteger contra a realidade refugiando-se no universo do senso-comum.

m.c., acerca da cadeira da Van Gogh. Sensações, percepções e sentimentos são incomunicáveis, a não ser pela fraca mediação do símbolo. Alguns, por defeito na válvula redutora, podem ver mais que os outros. Os poetas só podem produzir símbolos, como todo humano. Mas conseguem produzir símbolos de maior capacidade expressiva. Poeta é quem tem o defeito na válvula redutora, mas não a ponto de perder contato com a “realidade” comum, e além disso tem a capacidade de produzir símbolos expressivos.

céu e inferno

'A mente humana é composta do que poderemos chamar de um Velho Mundo de seu consciente e, para além de um mar divisório, de uma série de Novos Mundos — as não muito longínquas Virgínias e Carolinas de seu subconsciente coletivo, com sua flora de símbolos e suas tribos de hábitos nativos; e além, muito além, do outro lado de vasto oceano, finalmente os antípodas da consciência cotidiana — o mundo da Experiência Visionária.'

'Para um naturalista da mente, o colecionador de espécimes psicológicos, o principal é conseguir um método seguro, fácil e de confiança, que lhe permita transportar-se, e a outros, do Velho para o Novo Mundo, do continente das vacas e dos cavalos familiares para o do canguru e do ornitorrinco.'

Há dois meios para isso, drogas (dieta limitada e ambiente restrito, como no caso dos ascetas, podem produzir um desbalanço químico similar) e hipnotismo.

A primeira e a mais importante característica da experiência visionária é a experiência da luz. As coisas aparecem intensamente iluminadas e brilhantes. Por isso as descrições do “céu” e equivalentes, em todas as culturas, mencionaram gemas preciosas fulgurando. E a visão é sempre marcada por uma sensação de luz transfiguradora e enorme importância do que é visto.

Nos sonhos o que é símbolo é preto-e-branco (o símbolo tem um valor em si mesmo e não precisa da cor para expressar-se, como uma letra A simboliza a mesma coisa qualquer que seja a cor em que é impressa). O que é colorido nos sonhos é “real”, isto é, não simbólico, objetivo.

'Nos antípodas da mente estamos quase que por completo livres da linguagem, fora do sistema de raciocínio conceptual. Em conseqüência, nossa percepção das visões possui todo o frescor, toda a intensidade primeva das experiências que algum dia foram verbalizadas ou assimiladas a abstrações inanimadas. Sua cor (esse sinal característico da objetividade) resplandece com um brilho que nos parece preternatural porque é, em verdade, completamente natural — e natural no sentido de não ter sido, em absoluto, artificializada pelos conceitos lingüísticos ou científicos, filosóficos ou utilitários; meios pelos quais, normalmente, reconstruímos o mundo objetivo em nossa própria concepção, tristemente humana.'

'Quando medito sinto, nos pensamentos e nas imagens que se acumulam em torno de mim, os reflexos da personalidade. Mas também há janelas na alma, através das quais podemos ver imagens criadas, não pela imaginação humana, mas pela concepção divina” (George Russell).

'Luz, cor e importância não existem por si mesmas. Elas modificam os objetos ou são por estes manifestadas.'

'Na verdade, podemos nos arriscar a uma generalização e dizer que tudo que, na natureza ou numa obra de arte, lembra esses objetos imensamente valiosos, dotados de luz interior, encontrados nos antípodas da mente, é capaz de induzir, ainda que de forma apenas parcial e atenuada, a experiência visionária.' (está falando das gemas preciosas?)

'a concentração, conduzindo ao monoideísmo, acaba por produzir a dissociação' (que leva à visão do mundo transfigurado).

'há certas cenas na Natureza, certas classes de objetos, certas substâncias, que possuem o poder de transportar nossa mente para seus antípodas, para longe do Aqui de todos os dias, conduzindo-a ao Outro Mundo da Visão. De modo idêntico, no reino da arte encontramos certas obras, e até certos gêneros de obras, em que se evidencia o mesmo poder de arrebatar a mente do observador. (...) De todas as artes propiciadoras de visões, as que estão mais à mercê de suas matérias-primas são, sem dúvida, a ourivesaria e a joalheria. (...) um genuíno talismã. A arte religiosa sempre, e em toda parte, fez uso desses objetos propiciadores de visões'.

vidro, metal polido, pedraria, rochas altamente polidas, cores e luzes coloridas, 'objetos propiciadores de visões e de sua desvalorização psicológica, produzida pela tecnologia moderna'. Antes eram coisas raras e que induziam ao êxtase. Hoje são banais.

'Por falar em Vuillard, ele foi um mestre cujas obras eram arrebatadoras, quer se tratasse de grandes-planos ou de panoramas distantes. Seus interiores burgueses eram obras-primas de arte propiciadora de visões, comparadas com as quais as obras de visionários do porte de um Blake e de um Odilon Redon parecem extremamente inconsistentes. Nos interiores de Vuillard, cada pormenor, por trivial ou mesmo por horrível que pudesse ser — o desenho de um papel de parede vitoriano, o bibelô modernista, o tapete de Bruxelas —, é visto e reproduzido qual jóia viva; e todas essas jóias são harmoniosamente combinadas em um todo que é uma nova jóia, de valor mais alto em sua intensidade visionária. E, quando os membros mais prósperos da classe média da Nova Jerusalém de Vuillard saem a passeio, não vão ter, como seria de supor, ao Departamento do Sena e Oise, e sim ao Jardim do Éden, a um Outroainda é, no fundo, idêntico a este, mas, por ser transfigurado, é extasíante'.

A representação do 'querubim' - o habitante do mundo antípoda - na arte é sempre mais arrebatadora quando ele está ocioso, porque a lei do mundo deles é o nada fazer.

A paisagem visionária tem de ser em grande plano geral (a amplidão vista de longa distância) ou em extremo close-up, plano de detalhe revelando minúcias que nao são usualmente observadas. A visão de média distância é tipicamente terrena, humana.

'dentro do grupo de participantes.) Mas, quando as experiências visionárias são terríveis e o mundo se transfigura para pior, a individualização é intensificada e o visionário negativo sente-se preso a um corpo que parece tornar-se cada vez mais denso, mais comprimido, até que acaba por sentir-se reduzido à condição de torturada consciência de um aglutinado de matéria compacta, não maior que uma pedra que pudesse ser contida entre as mãos.' Por isso que 'Vale a pena observar que muitos dos sofrimentos narrados nas várias descrições do Inferno são castigos de pressão e constrição.'

O tipo de emoção vivenciada no momento da entrada em êxtase influencia a natureza e os efeitos da experiência, levando ao 'céu' ou ao 'inferno', e 'Daí a enorme importância conferida, em todas as grandes religiões, ao estado de espírito no momento da morte.'

Os exercícios respiratórios da ioga, os cânticos e danças rituais, visam aumentar o índice de CO2 nos pulmões e no sangue, porque isso reduz a eficiência do cérebro como válvula redutora, facilitando as visões.

A privação nutricional que nossos antepassados sofriam tinha também um efeito nesse sentido (desbalanço químico).

'quando a contrição, o horror a si próprio e o temor ao inferno liberam adrenalina, quando a autoflagelação produz adrenalina e histamina e quando as feridas infectadas fazem com que os produtos de decomposição da proteína se incorporem à corrente circulatória, a eficiência do cérebro como válvula redutora fica prejudicada e, com isso, aspectos incomuns da Onisciência (incluindo fenômenos psíquicos, visões e, se o indivíduo estiver filosófica e eticamente preparado para isso, experiências místicas) fluirão para o consciente do asceta.'

'ocorrência. Além do mais, é coisa comprovada pela história que a maioria dos contemplativos trabalhou sistematicamente para poder modificar o equilíbrio químico de seu organismo, tendo em vista criar condições internas favoráveis à inspiração mística'

'A pompa é uma arte visionária que tem sido usada, desde tempos imemoriais, como instrumento político. As suntuosas roupagens usadas por reis, papas e seus respectivos séquitos, militares e eclesiásticos, tinham uma finalidade bastante objetiva — impressionar as classes inferiores com um sentimento vivido da grandeza sobre-humana de seus senhores. Com o auxílio de belas roupas e de cerimônias solenes, a dominação de facto era transformada em reinado, não só de jure, mas até mesmo de jure divino. As coroas e tiaras; as variegadas jóias, cetins, sedas e veludos; os faustosos uniformes e vestimentas; as cruzes e medalhas; os punhos das espadas e os báculos; as plumas nos amplos chapéus e seus equivalentes clericais; aqueles enormes leques de penas que fazem com que qualquer audiência papal se pareça com um quadro da Atda — tudo isso são artifícios propiciadores de êxtase, destinados a transformar humaníssimos cavalheiros e damas em heróis, semideuses e serafins,'


Notas e adendos:

[1] Para estar em comunicação direta com a imaginação da natureza têm-se que estar no sonho, na embriaguez, no êxtase, na catalepsia ou na loucura (Eliphas levi, O livro dos sábios, cap.V).

[2] O sistema sensorial do homem envia ao cérebro cerca de 11 milhões de bits de informação por segundo. A verdadeira quantidade de informação com que podemos lidar foi estimada em algo entre dezesseis e cinquenta bits por segundo ([Mlodinow, L.. Subliminar Como o Inconsciente]).


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